O fechamento da L’Officiel Brasil não fala só da revista. Fala do país e do momento em que estamos. E do quanto isso passa batido, perdido no meio do rolar de telas. Mas deveria nos fazer parar. Porque importa — não só pra quem vive da escrita, mas pra quem consome jornalismo, pra quem se importa em entender como as questões do mundo atual se refletem na moda, no comportamento, na forma como nos vestimos e existimos.
Pra quem não viu: ontem (30), Silvana Holzmeister, diretora editorial da revista, publicou no Instagram que o grupo AMTD, dono da marca desde 2022, decidiu, por “questões estratégicas”, encerrar o título no Brasil.
Uma revista que fecha não desaparece sozinha. Ela leva junto conversas, pautas, olhares, profissionais que viviam daquele ofício. Leva o espaço físico e pulsante da redação, aquele caos bom que movimentava os dias, os cafés que esfriavam antes mesmo de serem bebidos, o deadline que martelava — e lembrava que ali, no meio da correria, ainda havia algo que valia a pena ser contado. E desaparece sem alarde porque quase ninguém quer bancar o custo de manter vivo o que não cabe no consumo fácil.
O Brasil lê pouco. E, quando lê, lê mal. Em 2024, 53% dos brasileiros não tocaram em um livro nos três meses anteriores, e apenas 27% conseguiram chegar ao fim de um, segundo a 6ª Retratos da Leitura no Brasil. Enquanto isso, o streaming consome cada vez mais do nosso tempo: plataformas como Prime Video, Disney+ e YouTube abocanharam mais de 40% do tempo de tela no país nesse mesmo ano. Uma escolha coletiva pelo ruído fácil, pela distração imediata, pela próxima notificação que brilha mais do que qualquer página impressa.
Ler dá trabalho. Exige pausa. Ler implica desconforto, porque obriga a pensar, a permanecer, a sustentar a dúvida. E se existe algo que o algoritmo nos treinou a evitar é o incômodo de ficar muito tempo no mesmo lugar. Melhor consumir rápido, pular de um vídeo a outro, sentir-se informado sem a menor profundidade. Melhor o carrossel resumindo o que não foi lido do que o artigo inteiro. Melhor dizer que leu do que ler.
O fechamento de uma revista escancara isso. Muita gente adora dizer que valoriza a leitura, mas hesita na hora de pagar por uma assinatura — seja de livros, revistas ou até mesmo de jornal. E, num piscar de olhos, gasta sem pensar em streamings de música como Deezer e Spotify, ou em plataformas de filmes e séries como a Netflix. Porque, para muitos, informação “deveria ser de graça”. E é justamente essa lógica que mata o jornalismo.
Não existe reportagem bem feita sem tempo, investigação, checagem de fatos — e isso custa. Conteúdo sério não nasce de graça no intervalo de um deslizar de dedos viciados. E é por isso que, toda vez que um título fecha, fica o recado: informação só existe se houver quem esteja disposto a investir nela.
Mas nem todo epitáfio é definitivo. A Elle provou isso. Quando caiu em 2018, soterrada pelo colapso editorial da Abril, parecia o fim de mais um capítulo do jornalismo de moda no Brasil. A revista, que já havia passado pelas mãos afiadas de Regina Guerreiro e pelo olhar apurado de Lenita Assef, vinha de décadas marcando presença nas bancas e nas discussões sobre moda e comportamento. A edição final, datada de agosto de 2018 e fotografada na Amazônia, trazia a sustentabilidade como tema central — enquanto a própria revista, ironicamente, morria à míngua num mercado que adora desfilar discurso sobre moda, mas não veste a responsabilidade de mantê-la de pé.
Em 2020, a Elle voltou pela Papaki Editora, sob a batuta firme de Susana Barbosa, que reergueu a revista. Página por página, edição por edição, sem abrir mão do que interessa: consistência, relevância, profundidade. Voltou de olho no digital, mas sem cair no raso. Lançou podcasts como o Pivô e um que contava a história de Clodovil, colocou no ar a Elle View, sua revista digital. E seguiu em frente.
A Elle voltou porque ainda tem quem entenda que moda é muito mais do que vitrine, que jornalismo sério faz diferença e que vale, sim, investir em conteúdo que respeita quem lê.
Talvez um dia a L’Officiel retorne. Mas, se retornar, que seja em um Brasil diferente onde existam leitores dispostos a pagar o preço de uma informação que não seja rasa. Onde se entenda que jornalismo é muito mais do que manchetes construídas unicamente para engajar. Que cada linha escrita, editada e publicada carrega horas de trabalho duro. Que cultura, política, esporte, moda e economia são partes da mesma conversa — e que ela só continua existindo se quem a consome entender a importância de mantê-la viva.
E se você chegou até aqui e concorda, saiba: você é exceção. Porque muita gente adora bancar que se importa com informação de qualidade enquanto se recusa a pagar por ela, torrando sem pensar em qualquer outro consumo instantâneo. E que fique claro: não estou falando de quem conta moedas para fechar o mês. Estou falando de quem pode, de quem tem escolha, mas prefere carregar o discurso de que valoriza a informação sem arcar com o custo de mantê-la viva. O fechamento da L’Officiel é um recado. E cada revista que morre deixa o mesmo aviso: ou a gente assume a responsabilidade de sustentar o jornalismo que importa, ou o que sobra é só ruído — esse barulho que a gente insiste em chamar de companhia, mas que, no fundo, não preenche nada.
eu gostei tanto! tu escreve muito bem, e destacou pontos importantes. isso é tão necessário, queria que todo mundo lesse. 💗💗💗