Na SPFW, a estrela da passarela é o ego
Enquanto o São Paulo Fashion Week se molda ao ritmo das redes sociais, quem vive da moda — e não da fama — é empurrado para a sombra
A passarela acende — mas não para destacar cortes, texturas ou propostas criativas. O foco, agora, é moldado para as lentes. O São Paulo Fashion Week, idealizado como espaço de valorização autoral, converteu-se em vitrine de egos inflados, onde o figurino pouco importa. O interesse deslocou-se da construção estética para o conteúdo que performa bem online. Deixou-se de buscar conceito para correr atrás de cliques.
O que antes era ninho de novas vozes tornou-se pano de fundo para uma encenação paralela: a que acontece fora do tablado. A cada edição, o verdadeiro duelo não está entre criações, mas entre celulares apontados, vídeos acelerados e presenças forjadas. A moda ainda tenta sobreviver entre uma pose e outra, mas sua centralidade foi entregue de bandeja ao espetáculo narcisista da plateia.
Hoje, ela resiste — mas à margem. O protagonismo foi entregue ao público, que não observa: se registra. O silêncio que outrora acompanhava o caminhar das modelos deu lugar ao barulho de notificações, capturas em série e vídeos estrategicamente editados.
Ainda há jornalistas nas primeiras filas — poucos, atentos, cientes da importância de contar o que está diante dos olhos. Mas esse lugar, que já pertenceu majoritariamente à crítica especializada, vem sendo lentamente ocupado por influenciadores trajados de especialistas. Entram, posam, postam — e seguem para o próximo evento, como quem coleciona selos de relevância.
Os lugares que antes representavam reconhecimento profissional hoje são distribuídos conforme o alcance digital. Aquilo que se conquistava com experiência virou prêmio de popularidade. Quem não entrega números suficientes, assiste de longe — se for convidado.
Na própria passarela, a distorção é ainda mais evidente. Celebridades desfilam, influenciadores substituem profissionais da área como se presença nas redes fosse sinônimo de técnica. Muitos sobem ali não por domínio de cena ou preparo, mas por visibilidade. Enquanto isso, as modelos de verdade — que enfrentam testes, horários impiedosos, cachês apertados — ficam de fora. Algumas ganham menos para cruzar o corredor inteiro do que uma influencer fatura por posar quinze segundos no camarim entre uma publi e outra.
Não é saudosismo nem resistência à era digital. O problema surge quando o algoritmo define quem merece ocupar o centro da cena. Quando o critério deixa de ser competência, o que está em risco não é apenas a moda — é o reconhecimento do trabalho como valor.
Moda exige construção. Corpo treinado, resistência emocional, exaustão disfarçada de leveza. É entrega, precisão, compromisso. Mas tudo isso vem sendo engolido por presenças que pouco conhecem o ofício e muito entendem de autopromoção. O palco que deveria homenagear quem cria virou painel para quem performa.
Essa troca brutal de prioridades revela um esvaziamento preocupante. O desfile, que deveria evidenciar pensamento, processo, identidade, tornou-se fundo de tela para vaidades bem produzidas. E quem realmente precisa desse espaço — para viver, pagar contas, construir uma trajetória — acaba invisível, substituído por quem trata a passarela como mais um compromisso a ser seguido entre tantos outros.
O São Paulo Fashion Week segue sendo o maior evento de moda do país — mas sua grandeza, hoje, parece medida por seguidores, e não por consistência criativa. Os assentos continuam cheios, os corredores fervilham, os celulares disparam. Há quem vá não para absorver, mas para capturar. Pouco importa a construção, o caimento, o discurso da coleção: importa se o vídeo vai viralizar. O desfile, para muitos, começa no clique e termina na edição. A passarela virou figurante em um show montado para os feeds, enquanto a moda — viva, pulsando ali — segue sendo ignorada.
Se nada for revisto, corremos o risco de transformar uma das principais vitrines da criação brasileira em mais um produto esvaziado. A moda nacional merece mais do que ser cenário para likes fáceis: merece escuta, profundidade e permanência. E isso começa na base — na escolha de quem entra. O evento e suas respectivas assessorias precisam, urgentemente, reavaliar suas prioridades na hora de distribuir convites Porque se a imprensa for sistematicamente preterida em nome de nomes “relevantes” nas redes, o SPFW deixa de ser cobertura — e passa a ser apenas registro superficial. Sem crítica, sem análise, sem memória. E o que não é documentado com profundidade, com o tempo, desaparece. Até mesmo da timeline.


Chega ser triste ver influenciadores tomando todos os lugares sem um mínimo de conhecimento, pq além de tomarem lugares de modelos, alguns substituem jornalistas, pessoas que realmente fazem críticas e se torna vazio como vc pontuou, com comentários vazios como "aí que lindo", "super lindo", 0 técnica na fala... infelizmente é deprimente ver o caminho que a moda nacional vem tomando.
Que critica bem estruturada. De fato a spfw passou a virar circos para palhaços fazerem palhaçadas, modelos estão sendo derrubados por subcelebridades que sequer sabe desfilar. Passa a ser vergonhoso o descaso que eles fazem com a moda brasileira, a influência da moda internacional dentro da spfw, deixo minhas sinceras condolências a moda brasileira, pq eles estão matando ela de pouco em pouco, e tenho saudades da spfw20’s