A Sociedade do Espetáculo — dos Algoritmos
Um desabafo honesto de uma pessoa cronicamente online, que tenta se manter relativamente bem informada — e se revolta sempre que percebe o quanto somos marionetes obedientes nas mãos dos algoritmos
Tá todo mundo exaurido. É tanta informação nova pipocando a cada segundo que, antes mesmo de você processar, ela já virou repeteco em todos os portais — cada um bancando o original, como se inverter a ordem dos parágrafos e trocar duas palavras bastasse pra chamar de análise inédita. E no meio desse looping informativo, ninguém aguenta mais ver a milésima dissecação do look da Virgínia na CPI das Bets. A tal interpretação do figurino de “menininha ingênua” que caiu de paraquedas ali, sem entender muito bem o que estava acontecendo — engraçadinha que só ela, fingindo estar perdida, confundindo o microfone com o canudo, exibindo de maneira calculada justamente essa faceta de quem não ameaça ninguém. Quase uma caricatura de si mesma: doce, fora do esquadro e — claro — estrategicamente desinformada.
Esse ritmo frenético não se restringe as notícias: ele se infiltra em tudo que consumimos. Do momento em que a gente acorda até a hora de deitar, somos soterrados por uma avalanche de textos e vídeos. E, por força do hábito, já colocamos tudo no 2x — como quem tenta dar conta de um mundo que não para de falar. É humanamente impossível acompanhar tudo. Mas isso não quer dizer que sejamos ignorantes — só estamos atolados de informação demais e compreensão de menos.
O mesmo vale para as tais tendências — de estilo, comportamento, alimentação ou qualquer outro eixo que o algoritmo decidir transformar em pauta da semana. A pergunta que fica é: se antes as mulheres se vestiam para agradar aos homens, hoje será que nos vestimos para agradar… ao coletivo? À comunidade certa? Ao olhar validante de quem reconhece um item “cool” e imediatamente te carimba como alguém que “entende das coisas”? Trocar o desejo masculino pelo desejo de pertencimento talvez não seja exatamente libertador — só uma troca de coleira, com design mais moderno e curadoria estética das redes sociais.
E mesmo quando tentamos nos desvencilhar de tudo isso, a rede dá um jeito de puxar de volta. Criar um hobby “fora das telas” soa bonito no discurso, quase terapêutico. Mas, na prática, vira mais um conteúdo pra alimentar o feed. Foi o caso da febre dos livrinhos de colorir Bobbie Goods. Eu mesma entrei nessa estatística: comprei, pintei, senti um prazer quase infantil de simplesmente... colorir. Mas só isso, claro, não basta.
No TikTok, pintar virou performance. Você precisa ter uma coleção invejável de canetinhas (as boas, não aquelas comuns da papelaria), saber aplicar sombra e luz, dominar técnicas que até então eram restritas aos ilustradores profissionais — e, de quebra, investir em uma caneta branca em gel, item sagrado para fazer os tais detalhes que dão “acabamento”. A promessa de “tenha um hobby para se desconectar do celular” é, no fim, uma grande piada. Você até pode colorir por puro prazer, dar um respiro ao cérebro, acessar sua criatividade. Mas saiba: se não mostrar um resultado impecável no feed, estará falhando gravemente com o código não escrito das patrulheiras da estética Bobbie Goods.
E como se tudo isso já não fosse suficientemente opressor, veio mais uma pauta pra fiscalizar o que é ou não humano demais: o travessão. Sim, o travessão. Aquele sinal gráfico que por anos foi recurso estilístico, pausa dramática, ironia sutil ou só uma escolha pessoal. Agora? Virou pista de crime. Suposto indício de que seu texto foi escrito por uma inteligência artificial. Porque, segundo o que anda circulando no LinkedIn, travessão demais é “suspeito”.
A ironia? Enquanto a gente se desdobra pra soar autêntico, passamos a vigiar até os sinais de pontuação — com medo de que um traço no meio da frase seja lido como assinatura robótica. No fim, já não basta escrever bem. É preciso escrever “humano o suficiente”. Mas o que isso quer dizer? Errar mais? Colocar emojis aleatórios? Dizer “kkk”? Escrever com a alma virou um exercício de camuflagem — e o travessão, coitado, foi rebaixado de estilo literário a vilão da credibilidade.
Cada frase desse texto só mostra o quanto somos fortemente afetados por todos os algoritmos.
Nossa! Que texto ótimo! O dia a dia é somente isso hoje! Não existe mais autenticidade ou privacidade. Tudo é por performance e espetáculo. Uma eterna necessidade de provar quem não somos, para pessoas que não conhecemos, por aprovações superficiais e desnecessárias.