A farsa do amor romântico como necessidade feminina
Uma análise para refletir sobre a década em que vivemos, marcada por relações altamente voláteis e conexões que parecem desprovidas de valor e facilmente descartáveis
Por séculos, a sociedade construiu e alimentou a ideia de que o amor romântico é o ápice da realização feminina. Desde os contos de fadas, que exaltam finais felizes baseados em casamentos e príncipes encantados, até os filmes e novelas que perpetuam narrativas de mulheres encontrando sua "alma gêmea", a mensagem é clara: a felicidade de uma mulher está intrinsecamente ligada à presença de um parceiro amoroso em sua vida.
A necessidade que nos foi passada de que uma moça precisa ter um parceiro talvez seja uma grande farsa, construída ao longo de séculos para perpetuar uma lógica de dependência emocional, financeira e social.
Quando se impõe que a pessoa precisa de um relacionamento amoroso para se sentir completa, retira-se dela o protagonismo de sua própria história. Esse ideal sugere que a felicidade e a realização pessoal são conquistas impossíveis de alcançar sozinha, mas apenas por meio de um "outro" que valida sua existência. É uma forma sutil de controle, que não apenas define o que as mulheres devem buscar, mas também como devem se comportar para alcançá-lo. O problema não está em querer um – isso é uma escolha legítima e humana. A questão está na ideia de PRECISAR de um. Ao internalizar essa necessidade como algo natural ou inevitável, muitas mulheres acabam sacrificando sua individualidade, sonhos e até mesmo sua autoestima para se encaixar em moldes criados por uma sociedade que ainda não aprendeu a valorizar plenamente a autonomia feminina.
Um ponto essencial é desmistificar a ideia de que estar solteira é sinônimo de solidão. Mulheres solteiras são frequentemente alvo de julgamentos, como se sua vida estivesse "incompleta" até encontrarem um parceiro. Essa visão ignora o fato de que muitas delas estão ocupadas construindo carreiras, cultivando amizades profundas, explorando interesses pessoais ou simplesmente aproveitando a liberdade de serem quem quiserem, sem concessões. A vida sem um parceiro amoroso não é menos rica ou significativa – é apenas diferente, e igualmente válida.
Essa pressão não se limita ao status de relacionamento, mas também permeia a dinâmica de encontros. Para as mulheres, ir a um date muitas vezes significa um ritual que exige tempo, dinheiro e um preparo minucioso: escolher a roupa ideal para fins de sedução, arrumar o cabelo, fazer maquiagem e depilação. É como se o encontro não fosse apenas uma oportunidade de conhecer alguém, mas também uma espécie de "apresentação", onde é imprescindível provar seu valor através da aparência. Em contraste, muitos homens aparecem como estão – sem grandes preocupações, apenas "presentes".
Não estou dizendo que se arrumar para um encontro é algo errado. Se uma mulher se sente confortável e feliz com a roupa que escolheu, com o penteado e a maquiagem que decidiu usar, isso é totalmente válido. Entretanto, é essencial destacar que esse cuidado deve ser para ela mesma, para se sentir bem consigo, e não para agradar um possível pretendente. O problema começa quando essa preparação deixa de ser uma escolha e passa a ser uma obrigação imposta por padrões sociais que priorizam o olhar masculino. Essa necessidade de estar bonita para o outro, e não para si mesma, desvaloriza o direito da mulher de existir fora das expectativas externas.
Se você que está lendo discorda totalmente dessa ideia, tudo bem, mas acho que vale o questionamento de: será que esse padrão de comportamento e beleza que seguimos não é algo imposto a nós já há muito tempo? Por que ainda acreditamos que devemos estar "em forma", ser "bonitas" no sentido de sermos magras, com seios fartos, tanquinho sarado e quadris avantajados? Não é coincidência que raramente um homem tenha olhos para mulheres que não se encaixam nesse padrão restrito, que mais parece uma lista de requisitos do que uma apreciação genuína pela diversidade dos corpos femininos.
Essa imposição não é apenas uma questão de estética; é uma forma de controle. Enquanto Zygmunt Bauman discutia a liquidez das relações humanas no século passado, talvez ele não pudesse imaginar como, em pleno século XXI, continuaríamos perpetuando com tanta força aquilo que nos foi ensinado como "certo". Quanto menos as mulheres pensam e refletem se esses padrões fazem sentido para elas e para o que acreditam, mais fácil é para o patriarcado manter sua hegemonia. Afinal, um modelo social que condiciona mulheres a se preocuparem mais com a validação externa do que com sua própria autonomia é também um mecanismo de controle que perpetua sua dominação.
A libertação começa quando questionamos essas imposições. Quando entendemos que não há problema em querer se arrumar, sair ou estar com alguém, desde que isso parta de um desejo genuíno e não de uma necessidade criada para agradar o outro. O verdadeiro empoderamento está em viver para si mesma, rompendo com padrões que, por muito tempo, nos aprisionaram em moldes que nunca foram verdadeiramente nossos.
Uau!!! Esse texto é incrível! Colocou em palavas diversas impressões que tenho de mim como mulher e do mundo enquanto ambiente de pressão contínua. Ultimamente tenho me feito aquela velha pergunta: o que é ser mulher?
estou solteira há dois anos e mais feliz que nunca haha